Mário Henrique e Lucina
Por Leonardo Sodré
Até chegar ao fim da tarde eu estava achando aquela terça-feira de setembro de 2013 muito trabalhosa. Tinha saído muito cedo em direção a Extremoz para acompanhar os trabalhos da sessão extraordinária da Câmara dos Vereadores daquela cidade, desde há muito invadida, onde, alguns remanescentes guajirús ainda pululam pelas ruas com suas risadas estridentes e a incrível quantidade de assuntos entre si. Como conversam! Terá sido uma herança dos jesuítas portugueses?
Quando terminou aquela sessão, entediado, e com fome, entrei no meu carrinho e, devagar, fui tentando compor algumas matérias sobre algumas coisas que eu não acho graça nenhuma. Mercinha sabe disso! Um horror escrever sobre acontecimentos de nenhuma significância cultural, no meu parco entender. Mas, o que fazer? Preciso sobreviver e então, tenho que compor às ‘músicas’ que estão acima da minha vontade, da minha saudade da Barreta, do colo de Mércinha, meu amor maduro...
Chego a casa, tarde, almoço alguma coisa de que eu não me lembro – os molhos industrializados me salvam -, e vou escrever o programa de rádio que apresento diariamente. Escrevo e pesquiso. Depois, irresponsavelmente, vou dormir. Nem penso nas notas e releases sobre o fim de semana trágico deste final de semana de festas que eu vivi com Mercinha, coitada, que me acompanhou por causa da meu desejo de não estar sozinho. Desculpa aí, amor...
Às cinco da tarde, apresento o meu programa. Transformo-me! Minha voz – Ah! Minha voz! – Fica diferente, sonora. Eu viro um astro. Ninguém acha. Somente eu na solidão do meu apartamento-escritório. Depois que termino o programa, corro para o Azulão em busca dos meus amigos, do papo nem sempre terno, da diferença da minha solidão enquanto vivo em Natal, pensando na Barreta.
No Azulão encontro o objeto da manchete desta crônica: Mário Henrique de Farias. Meu irmão mais novo (só tenho ele) junto com Mário Gurgel numa mesa. Na outra mesa, Ângelo Barbosa – radicado em Fortaleza, filho do vereador- honesto de Natal – Barbosinha – a capital que teve a sorte de tê-lo nos anos 1970. Do lado de lá e para não variar, a mosca. Um ser, digamos, ‘aguentado’ por todos os freqüentadores daquele ambiente alcoólico. Chato por natureza. Que tem o hábito de colecionar inimigos. Um brincalhão sem graça. Mas, antes de ele chegar – graças a Deus! – tivemos a oportunidade de conversar.
- Mário Farias, e a saudade? Perguntei.
- Mandei um e-mail para ela dizendo que a amava e que ela evitasse alguns passeios no Danúbio e que não dançasse de jeito nenhum com o Imperador... Respondeu tristemente.
Estava meio vermelho. Parecia que tinha pescado o dia inteiro. A vermelhidão ficava ressaltada porque estava vestido com uma camisa amarela, com um detalhe vermelho a oeste do fígado do lado direito. Percebi os olhos cor magenta, como se lágrimas quisessem brotar da teimosia. Que lindo, pensei... A paixão é a melhor das coisas e ela, mesmo em tempos de solidão dá o tom do sentimento.
Ângelo Barbosa estava colando músicas incríveis no seu som cibernético. Mário, cada vez mais ensimesmado, pediu:
- Coloque aí “Royal Cinema”, de Tonheca Dantas... E gritou:
- Dequinha, coloque meu último uísque porque eu vou botar Mário Henrique para dormir...
Depois, pensou em “Danúbio Azul” e outras músicas, mas seu coração estava na Europa... Chegou a pedir outras composições. Eu, Ângelo, Dequinha e Mário Gurgel, insistimos para ele tomar uma saideira. Mas, com os olhos vermelhos de saudade, a vontade não se rendeu a teimosia. Tinha que ir embora. Já tinha decretado! Depois, na saída, quando fiz o contraponto da vontade e da teimosia, me arrependi. Na verdade ele estava com vontade de dormir. De sonhar com o seu Amorzinho...
Natal/RN, 17 de setembro de 2013.